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Rotina de Sound Designer: Tudo que se move precisa de som

maio 25, 2021 7 MIN LEITURA Juliana Protásio

Fernando Pepe conta sua trajetória e os divertidos desafios de criar música e efeitos sonoros para games na Wildlife.

 

Já reparou no som que faz quando você captura um item especial no jogo ou quando o perigo se aproxima? E aquela musiquinha do seu jogo favorito, que não sai da sua cabeça?

Tudo isso é resultado da complexa fusão entre técnica e arte que faz parte do dia a dia de um Sound Designer, como o Fernando Pepe, que desempenha esta função há cinco anos e em julho de 2020 se juntou ao time de wilders da Wildlife Studios. Recentemente, tivemos a oportunidade de conversar com ele e compartilhar a sua experiência, oferecendo dicas para quem quer seguir carreira nesta área fundamental para criar a sensação imersiva nos games.

Em 2011, com um diploma em Design de Jogos pela PUC debaixo do braço, Fernando Pepe entrou para o universo dos jogos pela área de desenvolvimento. Ainda que não tenha sido um curso voltado para a parte sonora, segundo ele, forneceu uma base significativa para que ele, posteriormente, seguisse carreira criando áudio para games. 

Seu interesse por música, no entanto, já vinha desde a infância. E a oportunidade de atuar como Sound Designer surgiu quando trabalhou em uma empresa de desenvolvimento de jogos corporativos que tinha pouca demanda sonora e, por isso, não tinha um profissional fixo para esta função. Interessado, Pepe foi aprendendo e puxando a responsabilidade para si. Até que em 2018 chegou a abrir sua própria produtora, na qual desenvolveu projetos também para filmes, e reuniu a experiência que o trouxe até a Wildlife.

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IDENTIDADE SONORA

Para definir o que é Sound Design, ele explica que, do mesmo modo que existe uma intenção visual na direção de arte, que passa por estudos de teoria das cores e os sentimentos que elas evocam, o som também tem uma função imersiva e de induzir quem joga a tomar decisões. “O papel do som é dar informação e criar um efeito pavloviano – ao ouvir determinado ruído, há uma resposta condicionada. Todo o feedback de gameplay é emocional e o som é um recurso que transmite emoção e ativa sensações sem necessidade de prestar atenção ativamente”.

Em cada projeto, portanto, existe uma intenção sonora e artística que faz cada jogo ter sua identidade. “Ainda que a mesma equipe seja responsável pelos dois projetos, o Zooba é divertido, despojado e alegre, apesar de ser uma batalha entre animais. Já Suspects tem um clima mais noir e precisava ter uma cara de detetive, texturas diferentes, algo estilo anos 70”, exemplifica. 

Embora cada jogo tenha um universo sonoro próprio, Pepe conta que é possível utilizar recursos para garantir uma unidade reconhecível entre as produções da Wildlife. “Trabalhamos elementos dentro dos próprios jogos para criar essa conexão e estabelecer a identidade artística do estúdio. Como em Suspects, que tem fliperamas no cenário e eles mostram partidas de Zooba ou Tennis Clash, e ainda tem uma rádio que toca músicas do Zooba”.

Este é apenas um dos artifícios do Sound Designer. Pepe também revela que a caixa de ferramentas do profissional tem desde bancos de áudio com arquivos gravados previamente, até sons gravados com exclusividade fazendo foley – técnica que consiste em criar em estúdio sons como passos, portas se abrindo, móveis sendo arrastados ou mesmo sons que precisam usar a voz.

Ele lembra de como foi divertido o processo de criação da música de Halloween para o Zooba, a primeira produzida por ele na Wildlife. “Tem voz de todo o time de áudio ali, gravamos nós mesmos cantando, fomos mexendo pra trazer uma textura de zumbi. Dá pra sentir o clima de brincadeira no resultado, tanto que os fãs logo tiraram a música do jogo e criaram vídeos no YouTube. Isso é uma ótima resposta!”

Vídeo criado por I Love You Gaming

DIAS DE TÉCNICA, DIAS DE ARTE

Um desafio de quem faz Sound Design de jogos para celular é o fato de que eles perdem um pouco da imersão comparado ao desktop ou console. Afinal, além dos dispositivos terem outro nível de desempenho, quem joga costuma usar fones de ouvido para melhorar a experiência. São detalhes como este que fazem a diferença na hora de pensar um projeto sonoro, sinaliza Pepe.

Por isso, é preciso entender não apenas o que acontece no ouvido das pessoas, mas como os sons são transmitidos pelos aparelhos.

“É importante estudar muito áudio, música e ainda ter o cuidado matemático, porque não podemos esquecer que o som é física. Tudo isso interfere no resultado, ajuda a evitar problemas de qualidade ou até mesmo de quebra de equipamento”, alerta.

Pepe ressalta ainda que o Sound Designer de games tem como diferencial conseguir trabalhar com Engine de jogos e middleware – ou seja, o software responsável pela integração entre os softwares de produção e o jogo propriamente dito. 

Ele acredita que uma grande vantagem de sua formação em design de jogos é justamente ter o domínio dos sistemas. “A primeira coisa é compreender a diferença entre o áudio para jogos e a mídia linear. Nos jogos, a música e os sons mudam de forma dinâmica, acompanhando as ações do jogador. Ainda que a produção seja a mesma, é fundamental conhecer essas especificidades para criar algo que soe natural”. 

A sensação de realismo precisa ser a mesma, tanto para situações fantasiosas quanto aquelas inspiradas no mundo real. “Soltar uma magia de fogo exige muitos sons para criar todo o movimento desta ação. É um processo longo para criar apenas este som e isso também envolve muito design em sistema. Até mesmo o barulho do motor de um carro, que é uma reprodução do mundo real, tem uma estrutura dinâmica, de acordo com velocidade, distância, direção. Ou seja, demandam vários arquivos para uma interação que parece simples”.

DICAS PARA SOUND DESIGNERS QUE VIRÃO

Como um profissional experiente em uma área bastante específica, a primeira dica de Fernando Pepe para quem quer seguir os seus passos é: não desistir. “Para aprender e ganhar experiência, vale desenvolver um portfólio a partir de projetos pessoais, participar de game jams, afinal, só avança na carreira e é contratado quem demonstra algum tipo de experiência”, afirma.

Game jams são encontros de desenvolvedores com a finalidade de produzir um jogo em um curtíssimo espaço de tempo. E como todo trabalho criativo, além de produzir, também é preciso buscar referências e conhecer a experiência de quem consome jogos. Para isso, a melhor indicação, para Pepe, é jogar.

“Quem não joga, tende a cometer erros, porque entender o comportamento dos jogadores em relação ao som é uma necessidade. Por exemplo: em jogos coletivos online, as pessoas conversam, então uma música alta pode atrapalhar essa dinâmica. Já em jogos competitivos, a música ajuda a criar uma experiência cinematográfica. É necessário entender a prioridade das coisas para não proporcionar uma experiência ruim”, aponta Fernando.

Ele mesmo conta que procura jogar curtindo, mas sem perder de vista o olhar analítico,   acompanhando os projetos de outras empresas para fazer benchmark. “O jogo é multidisciplinar e cada elemento vai direcionando o resultado. O critério é o bom senso, que se desenvolve com acúmulo de referências e experiência”. 

Por fim, uma dica prática para quem está começando a trabalhar com som. “Ainda que seja papel do Sound Designer colocar efeitos em tudo que precisa de feedback para o jogador, é preciso prestar atenção para não tornar aquilo irritante e evitar uma fadiga auditiva. Às vezes a ausência de som é também uma escolha importante”.

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